sábado, 12 de julho de 2008

MINHA MÃE

“... ficamos de luto daquele para quem estivemos, sem sabê-lo,
no lugar de sua falta”
.
(Lacan, Seminário Angústia )

Algumas coisas não são possíveis falar nem escrever. Só se pode vivê-las!
Isso me faz pensar no sofrimento que vivi na doença de minha mãe, ao suportá-la falar da morte, de sua proximidade, já então sentida como inevitável. Como ocupar este lugar de tamanha falta?
Como foi difícil vê-la diante da representação impossível da morte, falando serenamente, como se fosse uma mulher de fé...
Ela queria saber e me perguntava se valia a pena sofrer tanto com os tratamentos e procedimentos médicos e para que deveria se submeter a tanto sofrimento. Que respostas cabiam a perguntas dessa dimensão? Só era possível silenciar e ocupar esse lugar vazio que a autorizava a continuar falando e se perguntando. Onde estava nessa hora a filha que ela achava entendia de "doenças e remédios?” Ali, presente, no sofrimento, na escuta e na tentativa de conduzir as perguntas por um caminho mais suave, mas que jamais se constituísse num atalho para a morte. Pude dar a ela a possibilidade de viver intensamente esse tipo de muitas lembranças boas, mas de muita angústia...Para nós duas!
Como fiquei aliviada quando ela me pediu para não voltar para Belo Horizonte porque tinha medo de morrer e eu não estar com ela! Eu também tinha muito medo disto, mas ela foi mais corajosa... E falou.
Nós todos sabemos que ela sabia de seu tempo melhor do que ninguém, mas eu era aquela, que por estar mais junto naquele momento, apontava para a possibilidade do afastamento ser eterno.
Penso hoje, que o lugar que ela me delegou  então, era o de representante de todos os filhos, amados e queridos. Nada que se dirigia a mim era só para mim. Com certeza, era dividido por cinco. Medo de morrer longe dos cinco, saudade vêzes cinco, pena de se afastar de 1+1+1+1+1. A minha ausência na verdade, apontava para a falta de qualquer 1 dos cinco.
Já transtornada em relação ao tempo, por causa dos remédios, um dia perguntou à Íris (anjo de bondade que ajudava nos cuidados de enfermagem) enquanto eu fui tomar um banho, onde e o que eu estava fazendo, que tinha desaparecido do quarto “há muito tempo”. Vim correndo e fiquei contente de descobrir, num detalhe tão pequeno, uma maneira de dar-lhe tanta tranqüilidade, a ponto dela então, ao meu lado, adormecer. “O tempo é quando” me ensinou o Zé Albano, citando um poema de Vinícius de Morais. Só quem vive intensamente esses momentos da vida como fragmentos pode entender a dimensão poética dessa palavra.
Quando, é o tempo que insiste, como a saudade e o buraco que se inscreve, no lugar das pessoas que amamos e se afastam. O que conforta um pouco é pensar que podemos contornar esse vazio com lembranças, risadas e até lagrimas. Só contornar, pois tentar preencher o que se fez buraco, é uma tarefa tão interminável como pegar conchas na praia.

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